A infecção do trato urinário é a infecção bacteriana mais comum nos humanos. Estima-se que 50% de todas as mulheres terão pelo menos uma infecção na vida!
Embora seja muito comum, muitas pessoas têm dúvidas sobre porque ocorre uma infecção urinária, como é feito seu diagnóstico, quais são os fatores de risco e o tratamento adequado.
Hoje vamos falar em detalhes sobre vários aspectos da infecção urinária.
Definição, fatores de risco e incidência da infecção urinária
A infecção do trato urinário (ITU) é a resposta inflamatória desencadeada pela invasão bacteriana na superfície interna da bexiga.
Essa definição é extremamente importante, pois existe bacteriúria (presença de bactéria na urina) sem a reação inflamatória (bacteriúria assintomática) e inflamação na bexiga (cistite), que não é desencadeada pela invasão bacteriana.
Habitualmente a bacteriúria assintomática não necessita de tratamento medicamentoso, enquanto que a cistite não bacteriana precisa ser investigada para identificar as possíveis causas, além de não apresentar melhora com o uso de antibiótico.
A cistite infecciosa pode ser causada por bactérias comuns (Escherichia coli, Enterococcus faecalis), bactérias relacionadas a infecções hospitalares (Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae) ou microrganismos atípicos (tuberculose, esquistossomose).
A cistite não infecciosa pode incluir cistite intersticial, cistite actínica (após radioterapia na região pélvica), presença de cálculo vesical, uso de sonda vesical ou cateter duplo no interior da bexiga.
As cistites infecciosas podem ser classificadas em não complicadas ou complicadas
1) A cistite não complicada ocorre em mulheres jovens, sem comorbidades, que não apresentam alteração do trato urinário ou doenças que podem predispor à infecção mais grave. Habitualmente, o uso de antibiótico via oral por 3 a 5 dias é o tratamento adequado para cistites não complicadas.
2) A cistite complicada ocorre em homens ou mulheres que possuem qualquer alteração estrutural ou doenças que podem agravar a infecção. Dizemos que ela é “complicada” porque tem maior risco de evoluir para uma infecção mais grave. Geralmente, seu tratamento é realizado com uso de antibiótico por tempo mais prolongado ou endovenoso (“medicação na veia”). Além disso, a investigação complementar com exame de imagem, como ultrassonografia ou tomografia, pode ser necessária.
Os fatores que predispõem à infecção urinária complicada são:
✔ Anormalidade funcional (por exemplo: bexiga que não consegue esvaziar a urina completamente)
✔ Alteração anatômica do trato urinário (por exemplo: estenose da junção ureteropiélica)
✔ Sexo masculino
✔ Gestação
✔ Idoso
✔ Diabetes
✔ Obesidade
✔ Imunossupressão (uso de corticoide, quimioterapia ou imunossupressor)
✔ Criança
✔ Uso recente de antibioticoterapia
✔ Uso de sonda vesical
✔ Cirurgia do trato urinário recente
✔ Infecção adquirida no hospital ou em internação recente
✔ Sintomas com duração maior que 7 dias
Embora seja uma dúvida muito frequente, geralmente não é isso o que acontece. Devido à proximidade do introito vaginal ao orifício anal, diversas bactérias intestinais, que podem causar infecção urinária, estão presentes nessa região. Isso é normal em todas as mulheres.
A relação sexual, na verdade, pode facilitar que essa bactéria entre na bexiga através da uretra (canal da urina), podendo se manifestar como um episódio de infecção urinária.
ITU é a infecção bacteriana mais comum no ser humano. A bacteriúria (presença de bactéria na urina) ocorre em 3 a 5% de todas as mulheres. Cerca de 30% das mulheres jovens (< 24 anos) já necessitaram tratar pelo menos um episódio de ITU e 50% de todas as mulheres terão pelo menos 1 episódio de infecção urinária na vida. A incidência da infecção aumenta com o envelhecimento e com a presença de outras doenças.
A via mais comum é o trajeto ascendente da bactéria, ou seja, a bactéria que fica próxima ao intróito vaginal consegue alcançar a bexiga, principalmente devido à extensão curta da uretra feminina.
Quando a bactéria consegue entrar na bexiga, o desenvolvimento da infecção urinária dependerá da interação entre a bactéria (quantidade de bactérias e a sua capacidade de provocar dano às células da bexiga) e os mecanismos de defesa do nosso organismo. Sabe-se que diversos fatores podem prejudicar a defesa na nossa bexiga, facilitando o desenvolvimento da infecção urinária.
Diversos fatores estão relacionados ao enfraquecimento do nosso mecanismo de defesa: alteração da flora vaginal normal, características bioquímicas da urina, obstrução do fluxo urinário, diabetes, imunossupressão, gestação e alterações funcionais da bexiga.
Vamos aprender mais sobre cada um:
A) Flora vaginal: no introito vaginal existem microrganismos que formam uma barreira contra a colonização de bactérias causadoras de ITU. Alguns exemplos incluem: Lactobacillus, Staphylococcus coagulase negativa, Corynebacterium e Estreptococos. O uso muito frequente de antibióticos e o uso de espermicida como método anticoncepcional podem reduzir a concentração dessas bactérias “protetoras” e favorecer a ocorrência de ITU. As mulheres em menopausa têm a sua flora alterada devido à redução hormonal e isso também é um fator de risco para ITU.
B) Características bioquímicas da urina: a urina possui diversas propriedades protetoras contra ITU, por exemplo: alta osmolaridade, concentração elevada de uréia e ácidos orgânicos, além do seu pH. Urina bem diluída ou osmolaridade elevada associada ao pH ácido dificultam a ocorrência de ITU. Além disso, a urina contém uma proteína produzida pelo rim, chamada de uromodulina, que dificulta a aderência da bactéria à mucosa da bexiga. Uma hidratação adequada mantém a urina bem diluída e ajuda na prevenção de ITU.
C) Obstrução do fluxo urinário: essa alteração pode provocar estase da urina (“urina parada”), favorecendo a proliferação de bactérias e facilitando a sua aderência à mucosa da bexiga. Além disso, a presença de refluxo vesicoureteral pode favorecer a ascensão da bactéria presente na bexiga para o rim, provocando infecções mais graves (pielonefrite).
D) Diabetes: é um fator de risco para desenvolver ITU mais grave, em especial, pielonefrites. Além disso, é comum os pacientes com diabetes desenvolverem ITU de repetição e necessitarem de tratamento com especialista.
E) Imunossupressão: a infecção pelo vírus HIV ou uso crônico de medicamentos que podem reduzir a nossa imunidade, como corticoides, quimioterapia e medicamentos imunossupressores, predispõem à ocorrência de ITU.
F) Gestação: durante a gestação ocorre uma alteração da imunidade, assim como certo grau de estase urinária devido à compressão do bexiga pelo útero aumentado de tamanho. De 4 a 7% de todas as gestantes têm presença de bactéria na bexiga (bacteriúria) e 25-35% delas podem apresentar pielonefrite, se não forem tratadas adequadamente. O principal motivo de se tratar a presença de bactéria na urina da gestante, mesmo que ela não apresente nenhum sintoma associado à bacteriúria, é que a pielonefrite é uma causa importante de parto prematuro.
G) Alteração funcional da bexiga: a bexiga que armazena a urina com uma pressão elevada favorece o desenvolvimento de ITU. Da mesma forma, a presença de urina residual após a micção contribui para a multiplicação das bactérias. Essas duas condições estão presentes em pacientes que apresentam doenças neurológicas ou lesão medular e, por isso, necessitam de um cuidado adicional no tratamento das infecções.
Sintomas
Os sintomas mais comuns são dor ao urinar (disúria), idas frequentes ao banheiro e desejo repentino e urgente de urinar (urgência miccional). Pode ocorrer, também, dor na região abaixo do umbigo e sangramento na urina (hematúria).
Todo paciente que apresentar sangramento na investigação de infecção urinária precisa investigar outras possíveis causas de hematúria após o tratamento da ITU. Veja a importância dessa investigação na matéria do meu blog (Hematúria – sangue na urina: sempre precisa investigar?).
Se a infecção da bexiga progredir, a bactéria pode ascender e provocar infecção renal, conhecida como pielonefrite. Nesse caso, geralmente o paciente apresenta dor intensa na região do rim, febre, calafrios, náuseas e vômitos. O mais comum é ter queixas de infecção na bexiga que depois de alguns dias progridem para a pielonefrite, e há casos em que essa progressão pode ocorrer muito rapidamente.
Algumas manifestações atípicas podem acontecer. Em diabéticos, a alteração súbita da glicemia pode ser um possível sinal de ITU. Em idosos, a febre sem origem aparente, alterações repentinas do humor ou apetite podem ser um sinal de ITU.
O primeiro ponto a ser lembrado é que a presença de bactérias na urina que não provocam agressão à bexiga não é ITU! Essa situação é conhecida como bacteriúria assintomática ou colonização. Nesse caso, habitualmente, não há necessidade de tratamento com antibiótico, exceto em casos específicos.
Existem duas situações que precisam ser tratadas quando há qualquer alteração sugestiva de ITU no exame de urina, mesmo que o paciente não apresente nenhuma queixa:
- Gestante: devido ao risco de evoluir para pielonefrite e parto prematuro;
- Antes das cirurgias urológicas ou cirurgias envolvendo implantação de próteses: a manipulação de urina com bactéria pode desencadear ITU potencialmente mais grave ou infectar a prótese.
Sim. Existem diversas situações em que os sintomas apresentados são semelhantes à infecção urinária, por isso devemos pesquisar outras possibilidades, principalmente nas pacientes que apresentam queixas recorrentes.
Possíveis causas que simulam ITU incluem: infecção vaginal, uretrite, cistite intersticial, cálculo vesical ou de ureter distal, bexiga neurogênica, bexiga hiperativa e neoplasia vesical.
Diagnóstico
Se você for uma mulher jovem, sem comorbidades ou fatores de risco para infecção grave, pode ser feito o tratamento presumido da ITU, isto é, sem a necessidade de realizar um exame de urina. Mas, se você tem ITU de forma recorrente ou apresenta qualquer fator de risco, deve ser colhido exame de urina para auxiliar no diagnóstico e escolha do antibiótico mais apropriado para o tratamento.
Existem dois tipos de exames de urina:
A) Urina tipo 1
O resultado desse exame pode sair em poucas horas. As alterações mais importantes que sugerem ITU são a presença de bactérias e a elevação do número dos leucócitos na urina. Mas, durante a infecção, pode ser observada a presença de sangue visível ao microscópio (hematúria microscópica), pesquisa de nitrito ou atividade de esterase positivas nesse exame.
A limitação desse exame é que não identifica o tipo de bactéria que provocou a infecção e não nos fornece informações a respeito da eficácia dos antibióticos disponíveis, isto é, qual seria o antibiótico mais adequado para tratar essa infecção.
B) Urocultura
O resultado final da urocultura demora alguns dias. Esse exame permite identificar qual é a bactéria que está causando a infecção. Além disso, é realizado um teste chamado antibiograma, para avaliar a eficácia de diferentes antibióticos contra essa bactéria específica.
Se a paciente está com desconforto sugestivo de infecção urinária, não há necessidade de aguardar alguns dias para iniciar o tratamento. Podemos coletar uma amostra de urina para ser analisada, iniciar a antibioticoterapia direcionada para as bactérias mais comuns e, posteriormente, checar o resultado da urocultura e do antibiograma para confirmar a eficácia do antibiótico escolhido.
Às vezes, o exame de urocultura vem negativo, mas a suspeita clínica de ITU é alta. Nesse caso, mesmo com exame negativo, precisamos tratar com base no sintoma que a paciente apresenta.
Existem duas situações nas quais é obrigatória a realização do exame de urina para identificar a presença de bactéria mesmo em paciente sem nenhuma queixa. Trata-se das gestantes e todos os pacientes que serão submetidos a qualquer cirurgia urológica ou outras cirurgias que envolvam a colocação de prótese. Se o exame vier positivo nesses casos, será necessário realizar o tratamento adequado antes da cirurgia.
Tratamento
✔ ️Cistite não complicada: 3-5 dias.
✔ ️Cistite complicada (ITU com risco de complicação): 7-10 dias.
✔ ️Infecção grave como pielonefrite: 10-14 dias. Habitualmente iniciamos com medicamento endovenoso e, após a normalização dos exames e melhora dos sintomas, concluímos o tratamento em domicílio com antibiótico via oral.
Doutor, eu tenho infecção urinária toda hora, por que isso acontece? Como posso reduzir o risco de ter uma nova infecção?
Na próxima matéria vou esclarecer sobre infecção urinária de repetição, suas principais causas, tratamentos e prevenções disponíveis. Nos vemos na próxima matéria.
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